Quem somos nós?
Para a maioria de nós é difícil responder a essa pergunta, especialmente para aqueles que possuem uma identidade negativada na sociedade. Sobre a minha identidade eu escrevi um texto bem pessoal em um blogue antigo meu, quem quiser ler, fique à vontade:
(x) Parda. É especialmente difícil nos definir em um ambiente que nos persegue, oprime, ridiculariza, torce o nariz para as nossas diferenças.
Então, eu tenho que tratar do tema com meus alunos e fico felicíssima por isso, porque acredito que a maioria deles nunca tenha tido a oportunidade de falar sobre o assunto, e talvez perceber que não está só com suas angústias neste mundo. Talvez as nossas discussões ajudem alguém a enxergar que não é o perseguido que está errado por ter nascido diferente do que alguém decidiu eleger como "Cultura", como "Certo", como "o que a Bíblia aprova". Mas o que eu vejo me assusta.
É preocupante para mim que em lugar de identificar e dialogar com pessoas cuja identidade é menosprezada por nossa sociedade eu perceba que estas vozes continuem silenciadas e/ou omissas. Falamos do movimento feminista, do movimento negro, das religiões afro, da causa gay, mas me parece que estou falando com as paredes.
O problema para mim não é exatamente a apatia, por exemplo, das mulheres falarem em favor do feminismo. Até porque eu não sou ingênua ao ponto de pensar que numa cidade tão pequena quanto a minha exista de fato feministas. Eu sei que as minhas alunas estão, na sua imensa maioria, mais preocupadas em namorar, em ficar bonitas, e se bipartem entre uma libertinagem preocupante ou uma tão preocupante quanto posição de se prepararem para um casamento. Isso me preocupa, mas não me desespera, afinal, acomodação é a palavra mais adequada para etiquetar 99% da humanidade.
O que me desespera é o seguinte. É quando eu digo que é necessário respeitar as diferenças e o direito das pessoas terem a religião que desejarem, a opção sexual que desejarem, o partido político que desejarem, quando eu digo que desprezar, evitar e caluniar as pessoas porque elas não se deixam converter para uma determinada religião eu vejo pessoas se mexerem em suas cadeiras. Quer dizer, eu identifico pessoas que julgam, estereotipam, perseguem, lamentam, apontam, oprimem, vexam e nunca se deram conta que estão desrespeitando a liberdade dos outros.
O que me causa desespero é alguém do meio da turma insinuar que o mundo está como está porque as pessoas não respeitam o que está escrito. "O que está escrito". Ou seja, julgar, estereotipar, perseguir, apontar, oprimir, vexar, caluniar, amaldiçoar, excomungar, tudo isso, tudo isso é justificável. Etnocentrismo. Segregação. Alteridade negativa. E eu, na tentativa de deixar bem claro do que estou falando, retrucar: "Sim, vale o que está escrito na Lei. A Constituição e a Declaração dos Direitos Humanos garantem que todo ser humano tem liberdade religiosa, política, de opção sexual, tem direito de ir e vir e de expressar sua opinião sem ser perseguido por isso." O que as pessoas não conseguem entender é que "expressar sua religião e opinião" não é sinônimo de "impor" sua religião e opinião.
Eu já ouvi isso de mais de uma pessoa. "Nós cristãos estamos sendo perseguidos por nossa opinião religiosa, nós só queremos que respeitem a Bíblia e o nosso direito de tentar ajudar (salvar) as pessoas que não a conhecem e entendem". Trocando em miúdos: nós cristãos não queremos ser criticados por ser contra o homossexualismo. "A mídia está fazendo campanha a favor da homossexualidade, querem que todos aceitem isso naturalmente", ou "do jeito que estão defendendo os homossexuais, nossos filhos vão crescer e desejar se tornar homossexuais", ou "não quero ser ridicularizado porque minha opinião é contra a homossexualidade".
Identidade em conflito. Cristão que se sentem feridos em sua liberdade de expressar suas opiniões. Muito bem. Eu gostaria que todas as pessoas tivessem capacidade de se colocar no lugar dos outros. Talvez imaginar que homossexuais e cristãos desejam o mesmo. Respeito. Consideração.
É aí que eu concluo. Nós somos humanos e por isso somos capazes de todo o mal. Se tivermos chance de apagar as diferenças, apagaremos. Para isso serve a Lei. Para nos conter, para equilibrar a divisão desigual de forças. Harmonizar.
Por isso, precisamos ser cuidadosos com as leis que aprovamos, precisamos ser cuidadosos com as pessoas que elegemos para nos representar. Precisamos ser cuidadosos quando exigimos que ouçam e atendam nossas exigências. Porque somos muito diferentes, nem tudo que atende a necessidade de alguns atenderá a necessidade de todos.